Não basta ser parte do enredo da escola do coração. Tem que ir para a Sapucaí de cabeça raspada. Pela terceira vez na história, os ritmistas da Mocidade Independente vão se apresentar carecas, no desfile que celebrará o orixá Oxóssi e a bateria Não Existe Mais Quente. Eles nem sabem qual será a fantasia, que será revelada horas antes de irem para a Avenida. Mas, sem muita resistência, toparam caprichar na máquina zero. E tem gente há décadas cultivando uma cabeleira cheia de estilo que não hesitou em aceitar o desafio. A justificativa é nobre: amor pela Verde e Branco.
É o caso do educador físico Carlos Augusto Ferreira, de 52 anos, que toca caixa. Desde 31 de dezembro de 2001 ele não corta o cabelo: cuida de dreads com mais de um metro de comprimento e que são o seu cartão de visitas. Sua mulher e seus dois filhos, de 11 e 3 anos, nunca o viram sem o que, para ele, não é apenas um penteado, mas um conceito de vida. Mas o chamamento feito pela escola de Padre Miguel falou mais alto:
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— Vou raspar. Sou Mocidade e estou na bateria desde 1987. A escola é minha casa. Na hora vai ser meio chocante. Minha esposa está no estresse. Disse que isso pode dar problema entre a gente — brinca Carlos Augusto, contando sobre o dia em que recebeu a notícia: — Os colegas olharam logo para mim. Mas a maioria, como eu, concordou.
Foi uma resposta bem diferente da celeuma às vésperas do carnaval de 2001, segunda vez em que os ritmistas foram para a Passarela carecas (a primeira foi em 1976, numa ousadia que marcou o desfile sobre Mãe Menininha do Gantois). Na ocasião de quase 21 anos atrás, a figurino era de Mahatma Gandhi, causando frisson num show que rendeu à Mocidade o Estandarte de Ouro de Melhor Bateria. Carlos Augusto estava lá. Já usava dreads e abriu mão do look em busca da nota 10.
— Representaríamos um pacifista. Cheguei a sugerir que, em vez de Gandhi, fosse Bob Marley. A reunião (na época) para nos contar sobre a proposta teve muita polêmica. Para se ter uma ideia, cada ritmista recebeu R$ 100 para cortar o cabelo, quando o salário mínimo era de R$ 151 — lembra.
Atualmente no comando da bateria, Mestre Dudu tocava repique na época do desfile de 2001, e seu pai, Mestre Coé, era quem regia os batuques da agremiação da Zona Oeste. Pai e filho são, inclusive, citados, com outras figuras importantes do ritmo da Mocidade, na letra do samba que embalará os independentes em 2022. Dudu explica por que, num enredo sobre Oxóssi, a Não Existe Mais Quente também será homenageada. É que nos primórdios, diz ele, os ritmistas da escola eram ogãs (responsáveis pelos atabaques) do terreiro de Tia Chica, da qual o lendário Mestre André, criador das paradinhas, era filho de santo. O toque do agueré para Oxóssi nos rituais religiosos influenciou a batida da caixa da bateria da Mocidade, que até hoje preserva fundamentos desse período, como uma afinação peculiar que a diferencia das demais escolas.
— A bateria também é o enredo de 2022. E acho que isso fez com que quase todos abraçassem a ideia de desfilar careca, num ano que será marcante — diz Dudu, ressalvando que haverá uma alternativa para as mulheres não precisarem raspar a cabeça e acrescentando que já não esconde mais a ansiedade: — Percebo que os ritmistas estão com sangue nos olhos, vão entrar fervendo na Avenida para gabaritar e buscar o campeonato. Com a fantasia e uma surpresa que já estou bolando, acredito que vai ser um impacto grande quando entrarmos no Setor 1. Não estou conseguindo nem mais dormir.
O que Mestre Dudu deixa guardado a sete chaves é o figurino criado pelo carnavalesco Fábio Ricardo para a noite que se espera ser de gala. Dudu é um dos poucos que sabem como será. Nem no barracão a fantasia ficará exposta. Vale tudo pela surpresa, que há semanas gera especulações entre os ritmistas.
Caixeiro da escola, o técnico em eletrônica Renan Cardoso, de 32 anos, é um dos que têm tentado arrancar pistas sobre o figurino. Imagina que seja alguma representação das religiões afrobrasileiras, mas ainda não arrisca dizer qual. Sobre ficar careca, ele diz que muitos colegas têm usado um filtro do Instagram que simula o resultado da cabeça pelada.
Assumidamente vaidoso, do tipo que vai ao barbeiro de 15 em 15 dias para deixar o cabelo “na régua”, ele já vislumbra o momento de pisar no Sambódromo com uma aparência que só experimentou na adolescência. E é um dos tantos sambistas que contam os segundos para a volta à Sapucaí, depois de um 2021 sem desfiles devido à pandemia:
— O que é cortar o cabelo para poder estar junto da sua escola? Eu choro na hora da arrancada do desfile. Quando era criança, não perdia uma apresentação da Mocidade na televisão. Há quatro anos realizo esse sonho de estar na bateria. Não pensei duas vezes: vou ficar
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