O técnico de futebol Claudio Roberto Silveira completou na terça-feira 46 anos de idade, mas não pôde comemorar o aniversário com a família. Ele está impedido de deixar os Emirados Árabes Unidos por causa de uma ação movida pelo egípcio Mahmoud Alkmash, presidente e proprietário do clube Sport Support Club, de Abu Dhabi.
Claudio Roberto está há quatro meses nos Emirados Árabes. Ele foi convidado para trabalhar no clube da terceira divisão do país em agosto do ano passado, mês em que obteve a Licença A da CBF, com oferta de contrato até junho de 2023. O vínculo seria assinado em Abu Dhabi.
Após a chegada no início de setembro, Claudio diz ter sido informado por Mahmoud Alkmash que o seu visto de trabalho seria emitido não para exercer a profissão de treinador de futebol, mas sim de supervisor de vendas da agência de viagens Marengo Travel Agent.
O ge teve acesso ao documento e verificou que o visto foi emitido com essa informação diferente (veja mais abaixo). O brasileiro alega que o processo foi feito sem o seu consentimento ou assinatura.
— Ele queria que eu aceitasse uma permissão de trabalho como supervisor de vendas. Não aceitei e não dei sequência na aplicação. Tenho carreira como treinador. Não posso chegar aqui, na prática trabalhar como técnico e nos documentos estar como supervisor de vendas. Não é correto. Passar por isso, aceitar uma situação dessa contra a minha vontade, é horrível — declarou Claudio Roberto, que já passou por diversos clubes no Brasil e no exterior e dirigiu a seleção do Sri Lanka.
Claudio Roberto comandou o Sport Support Club, nos Emirados Árabes — Foto: Arquivo Pessoal
Diante disso, o treinador afirma que não assinou com o Sport Support Club e trabalhou por dois meses e meio sem receber, em condições aquém das prometidas. A oferta garantia que o técnico teria salário, ajuda com passagem aérea e acomodação providenciadas pelo clube.
Outras promessas não foram cumpridas, como por exemplo a disputa da segunda divisão. Claudio Roberto e mais sete brasileiros (dois integrantes da comissão e cinco jogadores) resolveram então deixar o clube. Só que na hora de embarcar para o Brasil, no dia 22 de novembro, o técnico foi impedido no setor de imigração — os outros sete conseguiram viajar.
Claudio foi notificado verbalmente no aeroporto de Dubai que Mahmoud Alkmash entrara com uma ação contra ele no Ministério do Trabalho e na Justiça do Trabalho dos Emirados Árabes, alegando que ele estaria fugindo do país sem a sua autorização. Essa denúncia teria sido movida com base no suposto vínculo de trabalho através da agência de viagens Marengo Travel Agent, que o brasileiro garante não ter assinado.
Visto de trabalho para Claudio Roberto Silveira, ligado à agência de viagens Marengo Travel Agent — Foto: Arquivo
Claudio afirma que Mahmoud exige mais de R$ 113,5 mil para liberá-lo. A cobrança teria como motivação a irritação do dirigente com a saída dos outros brasileiros do clube. O técnico foi informado pelos funcionários da Imigração que teria de chegar a um acordo com o antigo chefe para remover o bloqueio. Ele não recebeu documento formal sobre a ação.
— Como eu poderia ter vínculo, sem assinar nada? Ele entende que eu como treinador deveria arcar com as consequências. Como ele conseguiu fazer o visto sem a minha assinatura em contrato ou sem meu consentimento, não sei dizer. O fato é que com a cópia do meu passaporte ele conseguiu emitir a permissão de trabalho e agora me bloqueou de viajar. Como posso ser acusado de dívida e denunciado através de uma agência de viagens como supervisor de venda? (Ele) Não me pagou, bloqueou minha saída e cancelou minha passagem. Tentei um acordo por diversas vezes, mas não consegui — desabafou.
No dia 28 de dezembro, Claudio perguntou para Mahmoud em conversa por aplicativo de mensagens como a situação poderia ser resolvida. O presidente do clube respondeu:
— Simples, pague. Tudo, você sabe quanto. Em dinheiro.
A reportagem do ge entrou em contato com Mahmoud Alkmash, via aplicativo de mensagens. Na primeira vez, o dirigente não respondeu. Na segunda, afirmou que não permitiu "qualquer organização a publicar nada" com o nome do clube e avisou que tomaria medidas legais caso houvesse qualquer matéria sem autorização deles.
A Associação de Futebol dos Emirados Árabes, o Sport Support Club e a Marengo Travel Agent também foram procurados, por telefone e e-mail, mas não responderam até a hora da publicação da matéria.
Claudio Roberto Silveira ao lado do proprietário do clube, Mahmoud Alkmash — Foto: Arquivo Pessoal
Acusações de chantagens e más condições
No dia em que foi barrado de retornar ao Brasil, Claudio Roberto Silveira estava acompanhado do fisioterapeuta Thiago Assayag e do preparador de goleiros Rodrigo Pereira André, que conseguiram voltar para casa. Os colegas de comissão técnica confirmam a história e contam mais.
— Ele (Mahmoud) reteve o meu passaporte lá, acabei que tive que ir na polícia para conseguir o documento de volta. O Claudio ajudou muito os atletas, que tiveram passaporte retido. Ele não queria entregar. Foi bem ruim esse clima, parecia de escravo. Não nos sentíamos confortáveis nos últimos dias, parecíamos escravizados lá — contou Thiago.
— Não tivemos contrato assinado por vários motivos. Faltava alimentação às vezes, não recebemos nenhum salário, nossas passagens de volta foram canceladas. Fomos tratados com arrogância, falta de respeito. Nunca tinha passado por isso no futebol. E no final ainda fomos despejados da casa. Minha sorte foi que eu estava com o passaporte na mão e minha família ajudou na passagem de volta — comentou Rodrigo.
Os brasileiros denunciam problemas sérios na rotina vivida no clube:
- Não recebimento de salário;
- Longo período sem competição;
- Necessidade de tirar dinheiro do próprio bolso para pagar a alimentação;
- Moradia compartilhada entre comissão técnica e jogadores;
- Cobrança pela estadia (que havia sido assegurada na oferta);
- Cobrança por uso de meios de transporte;
- Precariedade na organização dos treinos;
- Chantagem de Mahmoud Alkmash pelos passaportes.
— Cada dia que passava ficava mais complicado estar lá. Estávamos em um quarto com cinco brasileiros e um egípcio, e teve semana em que nos davam apenas dois pacotes de macarrão para durar uma semana. Teve uma semana em que ficamos três dias sem comer direito, só pão que era comprado por nós. A comissão técnica sempre que tinha dinheiro ajudava. Depois chegamos a ser expulsos da casa, e diária de hotel lá é muito cara, não tínhamos para onde ir. Dormimos sete dias no aeroporto — contou o centroavante Arthur Zimmermann de Oliveira, de 19 anos, que também teve o passaporte retido por Mahmoud durante semanas.
Claudio Roberto e outros brasileiros que fizeram parte da comissão do Sport Support Club — Foto: Arquivo
O visto de visitante de Claudio Roberto expirou no dia 2 de dezembro e ele teme ser preso pelas autoridades. O técnico está atualmente hospedado na casa de um amigo em Dubai.
O Ministério de Relações Exteriores informou que está ciente do caso e presta a assistência cabível. O Itamaraty informou que é comum por parte dos contratantes nos Emirados Árabes a prática de retenção do passaporte de estrangeiros a trabalho, prevista na legislação local.
O ministério também declarou que consulados e embaixadas não podem representar brasileiros assistidos diretamente junto à justiça local.
O setor consular da Embaixada do Brasil em Abu Dhabi indicou a Claudio procurar um advogado para cuidar do caso, uma vez que não presta serviço de assistência jurídica e diz não poder sugerir profissionais para esse tipo de pendência. A embaixada em Dubai também não tem assistência jurídica.