Nicole Silveira, a estrela do Brasil nos Jogos Olímpicos de Inverno, na China, vai enfrentar a namorada em sua estreia em Olimpíadas. A brasileira de 27 anos e que mora no Canadá desde os 7, namora a belga Kim Meylemans, de 25 anos, que também compete no skeleton. Kim é embaixadora da Out For The Win, organização sem fins lucrativos que busca aumentar a visibilidade de atletas LGBTQ+ por meio de "storytelling" (contagem de suas histórias).

Conheça: Brasileira se destaca no skeleton de olho na Olimpíada de Inverno

Olimpíada de Inverno:Atletas que protestarem 'enfrentarão punição', indica vice-presidente do comitê organizador chinês

— Essa nossa história é tão legal e tão diferente... É mais fácil ver casais competindo pelo mesmo país. Homem e mulher, em naipes diferentes ou em esportes diferentes. A gente compete contra a parceira. É divertido e desafiador ao mesmo tempo — disse Nicole, que assumiu seu relacionamento apenas na véspera do Natal, ao GLOBO — É bem difícil para algumas pessoas falarem sobre seus relacionamentos e para mim não foi fácil. Estou melhorando... Mas o alívio que eu senti ao publicar aquele post... Se eu puder inspirar outras pessoas a se assumirem também, vai ser muito legal.

 

Nicole e Kim se conheceram há três anos por causa do esporte. Se aproximaram ao longo do tempo e oficializaram o relacionamento em postagens mútuas no Instagram.

— Este é o meu primeiro relacionamento com uma mulher, não sabia desta parte de mim mesma. Eu e a Kim sempre tivemos uma conexão muito forte, desde que a gente se conheceu. As duas tinham namorado e não pensávamos nada uma em relação a outra — recorda a brasileira.  — Na última temporada é que a gente começou a ter esse lance mais forte. Eu tive que me analisar bastante, ver se era isso mesmo que eu queria. Hoje eu sou muito feliz com ela, em saber quem eu sou, de poder me expor assim. Eu não curto esconder nada. Mas primeiro tive de entender esta novidade para mim mesma. Não me sentia confortável de deixar o mundo saber, sem eu, de fato, saber. Foram meses de reflexão e descobertas, de saber quem sou. Quando assumimos, foi um alívio. Queria continuar a ser quem sou.

Time Brasil:Saiba quem são os 11 atletas do Brasil classificados para a Olimpíada de Pequim 2022

Kim já havia assumido sua homossexualidade aos 18 anos. E, recentemente, em um post no Instagram da Out For The Win, contou sobre este processo de abrir ao mundo sua escolha, após cinco anos como atleta, porque “esconder suas cores verdadeiras exige muita energia e decidi usar minha energia para o meu esporte”.

Sobre os Jogos de Pequim, ao lado de Nicole, ela comentou ao site Outsports:

— É muito especial poder compartilhar os Jogos Olímpicos com seu parceiro. É um período de alta pressão, extremamente estressante, então ter minha companheira como um porto seguro, um local de conforto e segurança, é de imenso valor para mim, e também para meu desempenho. Isso traz uma sensação de calma e normalidade para as semanas mais loucas de nossa carreira.

Juntas no inverno

Nicole conta que elas namoram "mais ou menos à distância", uma vez que Nicole mora no Canadá e Kim, na Bélgica. Mas elas viajam juntas para competir e passam boa parte do ano, durante o inverno no hemisfério norte, fora de suas casas.

— É que disputamos as mesmas competições e também treinamos juntas. Tentamos nos hospedar nos mesmos locais para onde viajamos. Eu tenho uma parceria com a seleção da Itália e um treinador e ela viaja sozinha. Mas esta será a primeira Olimpíada juntas — conta Nicole, que chegou a tentar vaga para a edição de  de Pyeongchang-2018, no time feminino do Brasil de bobsled como breaker (atleta que fica atrás do trenó e é a responsável pelo freio).

Boxe:Foco no profissional e regras da seleção deixam Hebert Conceição longe de Paris-2024

Entrevista:'Quero ser milionário com o boxe profissional, tenho direito de sonhar'

Nicole e Kim representam uma nova geração de esportistas desta modalidade de países pequenos e/ou emergentes, segundo a Federação Internacional de Bobsled e Skeleton (IBSF). A brasileira é campeã da Copa América 2022 e Top 10 na etapa de Altenberg da Copa do Mundo da modalidade. E Kim se tornou a primeira competidora belga do skeleton nas Olimpíadas em 2018.

Nicole começou nos esportes de inverno com o bobsled e só depois migrou para o skeleton Foto: Arquivo pessoal
Nicole começou nos esportes de inverno com o bobsled e só depois migrou para o skeleton Foto: Arquivo pessoal

Kim, nascida na Alemanha e filha de pais belgas, é mais experiente apesar de ser mais nova. Ela pratica o skeleton desde 2009. Primeiro, ela representou a federação alemã, com um quinto lugar nos Jogos Olímpicos da Juventude em Innsbruck. Em 2014, escolheu representar a Bélgica e terminou em quinto lugar no Campeonato Mundial da 2017 em Königssee, e em 14º na edição de 2016 em Igls. No campeonato europeu de 2017, foi nona. Seu melhor resultado no circuito da Copa do Mundo foi o quinto lugar em Whistler em 2017.

Vôlei:Conheça Filipe Ferraz, o técnico do Cruzeiro que rompeu a bolha e quer 'parcerias'

E Nicole, que começou no skeleton há cerca de três anos, vem colecionando excelentes resultados. Desde janeiro de 2021, obteve cinco ouros em etapas da Copa América, além de um ouro e dois bronzes na Copa Intercontinental.

Nicole conta que uma ajuda a outra mas que na hora da competição, não tem jeito, são rivais.

Hora extra:Campeã olímpica, Sarah Menezes vive dupla jornada: ser mãe de Nina e técnica da seleção brasileira

— Ela tem anos e anos neste esporte e me ajuda muito. E a Kim diz que eu a ajudo também porque tenho a puxado para sempre melhorar, uma vez que me vê evoluindo. Claro que uma torce para a outra mas nesta temporada a gente tem trabalhado bem esta divisão. Quando estamos na pista somos competidoras e podemos até uma ajudar a outra dependendo do caso. Mas é competição e cada uma por si. Fora da pista, vida normal. Essa é a parte mais difícil porque ainda estamos tentando separar as coisas.

Confiança na pista 

Nicole chegou na China no sábado e se diz ansiosa e animada. Disse que gosta da pista de Pequim e que tem bastante confiança em seu traçado. Isso porque em outubro, para a disputa do evento-teste, ela terminou na oitava colocação. A brasileira recordou este momento e contou que a pista foi fundamental na classificação olímpica:

— Fazia seis meses que eu não descia num trenó e ver a rapidez com que eu aprendi a pista em relação às melhores do mundo, me deu bastante motivação e esperança de estar aqui hoje. Até aquele momento, eu ainda não acreditava. O início de temporada de 2022 me deu bastante confiança na minha própria habilidade e que eu posso estar aqui, não só por estar, mas também para competir — comentou Nicole, que projeta a primeira medalha olímpica nos Jogos de 2026, quando a Itália será sede do evento.

Feminino:Rosamaria, protagonista em Tóquio, conta sobre depressão e como tem lidado com a reserva no Novara

Os Jogos Olímpicos de Pequim começam na sexta-feira. E a competição de skeleton vai acontecer de 10 a 12 de fevereiro, no Centro Nacional de Esportes de Pista de Yanqing, que tem 1615 metros de extensão, 16 curvas que incluem uma que possui 360 graus.

Edson Bindilatti, piloto do trenó de bobsled, e Jaqueline Mourão, do esqui cross-country, recordistas do Brasil em participações em Jogos de Inverno com cinco cada, serão os porta-bandeiras do país na Cerimônia de Abertura, no lendário Ninho do Pássaro.

Ambos já estrearam nesta função: Jaqueline foi porta-bandeira na abertura de Sochi 2014 e Bindilatti, em PyeongChang 2018. A diferença é que agora eles levarão a bandeira juntos.