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Publicada em 25/02/22 às 21:14h - 17 visualizações
Carlos Bilardo, o homem que ainda não sabe da morte de Maradona

Confiança Web TV e Rádio

 (Foto: Confiança Web TV e Rádio)

ge.globo — Porto Alegre

 

Carlos Bilardo, o homem que ainda não sabe da morte de Maradona
David Cannon/Allsport

Alguns dias atrás, um grupo de jogadores campeões do mundo em 1986 resolveu visitar Carlos Bilardo, comandante daquela equipe. Após o encontro, Oscar Ruggeri declarou: "Não sei se Carlos não sabe o que aconteceu com Diego, ele é muito vivo". Porque, oficialmente, El Doctor ainda não tem conhecimento de que Diego partiu para outros potreros. Em 2018, Bilardo foi diagnosticado com a síndrome de Hakim-Adams, uma doença neurodegenerativa, e seus familiares preferiam poupá-lo da notícia sobre o falecimento de Maradona, temendo o impacto que uma revelação tão pesada teria sobre sua saúde.

Quando aparece alguma matéria sobre Diego, o canal de televisão é trocado. Se o próprio Bilardo pergunta por seu eterno camisa 10, o assunto logo toma outro rumo. A prudência assume ares de ficção, uma espécie de Adeus, Lênin! em versão argentina, mas se justifica plenamente. Apesar de eventuais peleias e distanciamentos ocasionais, a relação entre Bilardo e Maradona era como a de um pai com um filho. No início do processo que mirava a Copa de 1986, ainda antes das Eliminatórias, o técnico anunciou que seu time seria Maradona e mais dez. E não apenas isso: a partir de então, El Pelusa assumia a braçadeira de capitão. É importante ressaltar que na época Maradona estava bem longe do que se tornaria: era uma promessa de craque que havia decepcionado na Copa de 1982, inclusive sendo expulso contra o Brasil, e não correspondera plenamente em sua passagem pelo Barcelona.

Toda a magia argentina desfilada nos gramados mexicanos estreitou de forma definitiva o elo que ultrapassava a relação entre técnico e jogador. Durante toda a preparação para o Mundial, a seleção albiceleste, e especialmente seu treinador, foram duramente criticados pelo desempenho insatisfatório nos jogos eliminatórios e nos amistosos. Xingado nos meios de comunicação, nos estádios e mesmo nas ruas, Carlos Bilardo chegou a comprar uma chácara na província de Buenos Aires, de onde praticamente não saía. El Doctor, assim apelidado porque também é médico, mostrou que era realmente muy vivo, como disse Ruggeri, ao fazer a equipe orbitar em torno de seu astro maior -- e, sobretudo, ao fazê-lo feliz e respaldado com a braçadeira de capitão. Essa passagem é contada na série Bilardo: el doctor del fútbol, lançada ontem pela HBO.

O homem que bebeu "champanhe" no gramado do Monumental de Núñez tornou-se célebre pela quantidade de histórias insólitas que protagonizou -- temos a água batizada de Branco na Copa de 1990, as múltiplas superstições que adotava, os treinos repentinos durante a madrugada nas praças de Buenos Aires. O primeiro (na verdade, único) mandamento do "Bilardismo" prega que a vitória precisa acontecer a qualquer custo, nem que para isso algumas regras tenham que virar farelo. Mas Carlos Bilardo era muito mais do que isso. Venceu a Copa de 1986 ao adotar um surpreendente esquema 3-5-2 e era um obcecado em analisar futebol. Lançando mão de sua enorme coleção de vídeos, já na década de oitenta submetia os jogadores da seleção a longas sessões na frente da TV para estudar modelos e adversários. Mesmo com a saúde comprometida, Bilardo continua assistindo todos os jogos que passam na TV, mas em silêncio, como revelou seu irmão, e não ligando às três da manhã para tecer comentários sobre um jogador que lhe chamou a atenção. Quem conviveu com El Narigón tinha a impressão que nunca dormia.

Os parentes também resolveram lhe poupar das mortes de Alejandro Sabella e Tata Brown, dois referentes argentinos da época em que Bilardo tocou o céu do Azteca com as mãos -- de Dios ou de Diego. Entre os familiares, existe a intenção de levá-lo à cancha do Estudiantes de La Plata, onde tem uma estátua (na margem do campo!) e é figura absolutamente mitológica (tricampeão da Libertadores e do mundo enquanto jogador e, depois, em 1982, também vencedor do Metropolitano como técnico, campanha que lhe credenciou à seleção argentina). Talvez nesse momento seja inevitável receber as notícias das quais foi privado. Desconhecer a morte de Maradona, adiando a consciência de que alguém muito próximo lhe foi arrancado, é uma forma de continuar vivendo em um mundo anterior, que mantém o seu eixo. Receber a emotiva saudação dos pincharratas, no entanto, talvez seja uma maneira de perceber que passado, presente e futuro não estão desconectados.

Footer blog Meia Encarnada Douglas Ceconello — Foto: Arte

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