O início meteórico de carreira, com direito a jogos de Liga dos Campeões da Europa, é hoje uma lembrança distante na memória. Aos 33 anos, Walter Henrique da Silva se contenta em ter um clube para jogar, um salário a receber e, novamente, objetivos a cumprir numa carreira de (muitos) dramas e alguns sonhos cumpridos no futebol.
A meta, porém, não é apenas profissional. Formado no Internacional e com passagens por clubes como Porto, Cruzeiro, Fluminense, Goiás e Athletico-PR, Walter também joga para equacionar suas contas, até pouco tempo atrás combalidas por causa de escolhas erradas, inocência, dois anos de suspensão por doping e muito dinheiro perdido – tudo isso às voltas com problemas de peso.
Em resumo, Walter joga porque precisa jogar. É seu emprego e único ganha-pão.
– Fiquei cinco meses parado, pensando na vida, mas voltei porque penso em jogar uma Série B, uma Série C, quem sabe uma Série A ainda. Tenho qualidade, tenho condição para estar lá – avisou.
– Se eu parar hoje, é um sufoco para mim, sim, não tem isso de dois, três, quatro anos tranquilo, não – explicou.
Entre dramas pessoais como um acidente da mãe, dona Edith, no começo deste ano, o desaparecimento do pai, José Amaro, no início de 2018, dois casamentos encerrados, com Vanessa e Inglid, pensões devidas e a distância da filha, Catarina Vitória (que mora em Porto Alegre) ele tenta se estabilizar para, enfim, poder pensar nos próximos passos – entre eles, ser técnico de futebol.
Em campo, os problemas com o peso que marcaram sua trajetória continuam: ele chegou ao Goiânia com cerca de 115 quilos, mas já conseguiu perder parte disso. Sozinho na cidade, faz trabalhos à parte, fora de horários de treino, para acelerar a retomada. Pelo clube da capital, foram quatro jogos até agora, sem gols marcados pelo Goiânia, vice-líder da Segunda Divisão.
Tudo isso, porém, Walter costuma minimizar com uma frase, repetida quase dez vezes em cerca de uma hora de conversa com a reportagem do ge, numa tarde ensolarada e "abafada" típica da capital goiana, num modesto centro de treinamento, com campos de grama alta e uma acanhada sala de imprensa.
– Para quem vem de onde eu vim, isso aqui não é nada.
Walter vem do Coque, comunidade violenta da área central do Recife e que, em 2020, teve registrado o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre todos os bairros do município; 57% dos moradores viviam com renda mensal entre R$ 130 e R$ 260.
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Walter, do Goiânia, conversa com a reportagem do ge — Foto: Diego Ribeiro
Veja abaixo a entrevista com Walter:
ge: Walter, como você está hoje? Se sente bem para jogar? Já está em seu terceiro time na temporada (começou o ano no Santa Cruz, foi para o Amazonas e agora o Goiânia)...
Walter: É um momento muito feliz da minha vida, passei um momento muito triste saindo do Santa Cruz, passando pelo Amazonas, saindo de lá passei uns quatro, cinco meses sem jogar, pensando o que ia fazer da vida, se ia voltar a jogar esse ano, ano que vem, até que chegou nosso presidente (do Goiânia) e disse para ajudá-lo. Temos uma parceria de oito anos, é muito meu amigo, conversei com ele e pedi só um mês para recuperar o joelho e sentir o que quero da minha vida. As portas do Goiânia ficaram abertas para mim. Treinei, fiquei um mês tratando o joelho e depois acertamos contrato até fim do ano, podendo renovar se o time subir. Para mim é muito bom, Goiânia é um lugar que eu amo, onde me sinto em casa.
– Onde eu me sinto bem e feliz, as coisas acontecem. Não estou ainda 100%, estou 65%, 70%, fiquei cinco meses pensando no que ia fazer, perdi muito tempo na minha vida. Mas estou muito feliz, recuperando pouco a pouco e sentindo o gostinho de jogar futebol.
Como foram esses cinco meses de "reclusão"?
– Foi difícil, porque eu tinha me machucado no Amazonas e pensei em não jogar esse ano. Pensei muito bem, passaram algumas coisas na minha cabeça. Tive algumas coisas para a Série D, mas preferi ter calma e esperar o momento. O que eu fiz? Dei meu tempo, quatro, cinco meses em casa, e estou muito feliz para terminar esse resto de campeonato. Aí, ano que vem, penso em jogar uma Série B, uma Série C, quem sabe uma Série A ainda. Tenho qualidade, tenho condição para estar lá, por isso vim aqui para o Goiânia treinar e me recuperar.
Em algum momento você pensou em parar de vez com o futebol?
– Na minha vida, só sei jogar futebol e só fazer isso. Pensei em mil coisas. Não pensei em parar, mas pensei em dar uma segurada esse ano, ficar quieto na minha, pensando, igual eu fiz. Eu pensei, vi que eu tinha muita coisa para acontecer esse ano, ia ficar muito tempo sem jogar, e o jogador precisa estar jogando, aparecendo. Com você em casa, poucas coisas aparecem. Estou sentindo aquele gostinho de novo, estava muito triste nestes cinco meses, não queria saber de bola, aconteceram algumas coisas em casa, na minha vida, e fiquei muito abalado.
– Fiz escolhas erradas também, ir para o Amazonas foi uma escolha errada, estava bem no Santa Cruz, junto com minha família, num clube gigante, e me arrependi. Meu coração doeu. Mas por que saí? Veio uma proposta muito boa de valores, dinheiro, eu com 32, 33 anos, tinha que aproveitar esse momento. Só que o dinheiro é muito bom, mas não traz a felicidade, e faltou isso. Eu, que sou um cara alegre, não estava feliz. E faltou isso, minha felicidade. Isso pesou muito.
Walter em ação pelo Amazonas: lá, ele não estava feliz — Foto: Antônio Assis/FAF
E o que te fez voltar, então?
– Minha filha, que me cobrava todos os dias, e as pessoas me acompanhando no Instagram pedindo para eu voltar a jogar. Gosto muito de estar lá, é uma coisa minha, e muita gente me perguntava por que eu não estava jogando. Então esse incentivo me ajudou. Meu foco é ajudar minha mãe, minha filha, e por isso deu vontade de voltar a jogar. Em casa é só gasto, dinheiro só sai e não entra. Importante é eu estar feliz comigo mesmo e meus amigos mais próximos.
Então, além da filha, sua mãe é uma figura que te faz seguir em frente, certo? Como é sua relação com ela hoje?
– Estar longe da minha mãe sempre foi muito difícil na minha vida, porque ela é minha mãe e meu pai. Ela teve um acidente, teve de fazer uma cirurgia, e eu estava no Recife, no Santa Cruz, e ficou mais fácil para ajudar. Ela está recuperando, estamos longe hoje, espero trazer ela para ficar em Goiânia um tempo comigo, sentir esse carinho é muito importante, ela é meu pilar. Correu atrás de tudo, dinheiro emprestado, comprou chuteira, roupa para mim. Ela é minha mãe e meu pai, o pai que eu não tive. Por isso agora penso duas vezes antes de fazer as coisas, eu ralo, trabalho, nunca neguei que tenho um problema muito sério com o peso, que me atrapalhou muito, mas também não sei se teria chegado onde eu cheguei. De qualquer forma, sou muito grato à minha mãe pelo que fez por mim.
Esse acidente com ela também contribuiu com essa reclusão? O que aconteceu?
– Agradeço muito ao médico do Santa Cruz que ajudou, fez a cirurgia o mais rápido possível, tinha esse "trem" do Covid ainda, fiquei com muito medo de ela ir para o hospital, mas deu tudo certo, ela ainda não está 100% caminhando, está na cadeira de rodas, com algumas coisas, mas está bem melhor. É uma dor muito grande, mas graças a Deus ela está bem e não vejo a hora de trazê-la para cá e cuidar dela. Minha mãe já tinha um problema no joelho, e tinha aquele "trem" de água, e a água da bomba tinha caído no chão, ela não viu a água no chão e escorregou, machucou o joelho e teve de fazer uma cirurgia.
E sua filha, então, é o outro pilar...
– Minha filha foi escolhida por Deus, ela nasceu com seis meses, nem isso, lá em Portugal. Ela era muito pequenininha, a mãe dela (Vanessa) também é uma guerreira, ficou quase dois meses deitada na cama, não podia fazer nada, só repouso total, para a mãe é muito difícil, para mim também. Eu saía para treinar e voltava preocupado, a Catarina é tudo para mim, podia nem estar aqui, mas sei o quanto ela lutou para sobreviver. Quando fui ver ela estava com um monte de coisas no nariz, três meses internada para ganhar peso, ganhar vida de novo, por isso a Catarina é minha felicidade. Catarina Vitória, porque é uma vitória para a gente, para mim e a mãe dela, é a nossa vida.
Quantos anos ela tem hoje?
– Está com 12.
Então ela já te acompanha e entende bem, não?
– A gente conviveu quase seis anos, o tempo que eu fiquei com a mãe dela, ela foi comigo para Porto, Cruzeiro, Fluminense, Athletico, ela sempre ia com a mãe dela para os jogos, e hoje ela sempre torce por mim e fala para os amiguinhos que o pai jogou no Inter, lá no Sul o povo é apaixonado, lá eu sou conhecido, comecei minha base lá, atuei muito bem lá também, e ela fica toda feliz dizendo quem é o pai dela. Perguntam para ela quando eu vou jogar, e ela me cobra.