O que você faria se descobrisse um câncer agressivo e soubesse que o seu tempo aqui neste plano pode estar com os dias contados? A empresária de Londrina (PR), Juliana Carvalho Lopes, 45 anos, casada com Márcio Antunes, 45 anos, mãe do Enzo, 19 anos, e da Gabriela, 21 anos, decidiu viver a vida com aquele clichê que pode até sair da nossa boca muitas vezes, mas que nem sempre colocamos em prática: “Viver o hoje”.
Juliana dizia que era a prova viva de que é possível viver feliz com câncer — Foto: Arquivo Pessoal
Em entrevista exclusiva à CRESCER, sua irmã, Mariana Carvalho Lopes Lussich, disse que desde que ela descobriu o câncer no intestino, em agosto de 2019, Juliana travou uma batalha forte contra a doença, mas sempre fez questão de ser feliz, mesmo nos dias mais difíceis em que os sintomas da quimioterapia a derrubavam.
Nas redes sociais, Juliana fazia um diário dos seus dias. Em um dos post, ela disse: “Tudo se resume a uma escolha bem simples: ocupar-se de morrer ou ocupar-se de viver. Essa frase foi dita pelo personagem do Tim Robbins, no filme Um Sonho de Liberdade, um dos meus preferidos da vida. Eu sempre escolhi a segunda opção. Ocupo-me de viver!”, disse.
Ju, como era carinhosamente chamada pela família e amigos, era muito consciente do seu problema de saúde e sua grande luta era desmistificar o câncer e a morte. “Essa doença, às vezes (poucas), causa uma dor profunda no meu coração, mas passa rápido. Porque tenho um sucesso a exibir: estou viva. E o principal, me sinto assim, muito viva e feliz. Sempre teremos o passado. Teremos um futuro, do qual ninguém sabe. E nem quero. E temos o presente, esse possível, esse que a gente escolhe viver, todos os dias, um de cada vez”, disse.
Mariana com a irmã Juliana, que já estava em cuidados palioativos — Foto: Arquivo Pessoal
E foi assim vivendo um dia por vez, trabalhando, fazendo festas para pequenos ou muitos amigos, espalhando amor e celebrando as pequenas coisas da vida, que ela encarou os quase quatro anos do câncer que foram vividos com muita intensidade e, (acredite!), alegria. Três dias antes de morrer, Ju escreveu seu último post:
“Nesse momento difícil, intenso, em que a vida se esvai, ainda assim é preciso desmistificar a doença, a morte. Sou prova viva de que é possível ser feliz com câncer. Eu fui.
Reescrevo algumas coisas aqui, para continuar mostrando que, se por um lado houve razão para a tristeza e a apreensão, pela doença, o tratamento, a ansiedade para que tudo passasse logo e que eu tivesse chance de uma vida longa… Por outro, sempre tive a opção da alegria, um antídoto que foi poderoso contra qualquer tentação de pessimismo. Que foi a minha escolha. E continuaria sendo. Mas temos nosso tempo nesse mundo.
Pode soar estranho, mas nessa montanha-russa, que foram esses últimos quase quatro anos, cheguei a sentir um alívio. Porque me livrei de mesquinharias e obrigações. Convenientemente, reduzi meus deveres a somente um: VIVER.
O resto foi consequência. E contingência. Eu vivi. Eu fui feliz. Eu convivi com as pessoas da minha vida, da forma mais plena e leve que pude. Com dignidade e amor.
Tudo, graças a vocês. Minha família amada que, quando preciso, virou equipe médica, cuidando sempre de mim; que continuou embalando nas minhas festas e eventos (que iam de 15 a 130 pessoas); que abraçaram meus amigos, como sempre e como deles; enfim, que foram incansáveis em me ver feliz, em me encher de fé, de coragem, de amor.
À todos os amigos e amigas, que aceitaram que eu não mudaria nada na minha essência, nas minhas escolhas, na minha forma de encarar a vida e o mundo, e continuamos a viver, a conviver, como eu sempre fui. Dei um pouco de trabalho, mas eles também me deram. Placar zerado.
E, finalmente, à equipe médica, que me cuidou, com competência e humanidade. [...] A morte é o grande clichê da vida. Simplesmente, porque ela é implacável e a mais democrática das situações humanas. TODO MUNDO vai. Assim mesmo, não sabemos lidar com ela, porque ela nos arranca, sem aviso prévio, as pessoas que amamos e pode nos arrancar delas, da mesma forma.
Mas sabe o que é felicidade???
É estar passando pelo momento mais sinistro da vida e receber o melhor das pessoas. E descobrir o melhor de si mesma.
Vivam, meus amores”, disse.
Mariana, que acompanhou a irmã durante todo o tratamento e não saiu de perto dela em seus últimos dias, disse que ela estava em casa, em cuidados palioativos - abordagem de cuidados que visa a melhoria da qualidade de vida de pessoas com doenças graves. “Ela estava em paz”, disse Mariana às lágrimas.
Juliana morreu no último dia 4 de março e deixou uma carta de despedida, que é pura inspiração e lição de vida:
“A minha hora chegou. E tá tudo bem, gente. Tive a oportunidade e o privilégio de me preparar para ela. Me redescobrir e receber o melhor das pessoas. Essa é uma despedida honesta e, absolutamente, grata. A despedida de uma vida linda, cheia de sentido, de amor e das pessoas mais especiais que eu poderia ter tido o privilégio de conviver. Minha família, minhas amigas e amigos e tanta gente, que apesar da pouca intimidade, se fez tão presente, com gestos, palavras, orações, força.
Durante o tratamento, passei por muitas fases aqui dentro de mim. E, felizmente, encontrei as minhas próprias ferramentas psíquicas para lidar com o câncer e com as pessoas da minha vida. E fui sustentada pela força, o afeto, a parceria e o amor de vocês, cada um à sua maneira. E passei a tentar compreender os sentimentos e emoções das pessoas que me cercam, me atrevendo a entender e experimentar, de forma objetiva, racional, mas também, empática, o que sente o outro. Para mim, funcionou, espero que para vocês também. Uma certeza, morri cheia de gratidão no coração e cercada das melhores pessoas.
Juliana era chef de cozinha e empresária na área de gastronomia e eventos — Foto: Arquivo pessoal
Aliás, se eu puder deixar um pedido, demistifiquem o câncer ou outra doença grave. Desmistifiquem a morte, afinal, ela é o maior clichê da nossa vida. Meu objetivo, desde o meu diagnóstico, foi desmistificar a doença, o processo e o fim da vida. Acho que funcionou, vocês entenderem e eu vivi os últimos anos com dignidade e alegria, apesar do câncer. E como eu sempre repetia - com todo respeito a dor e a maneira que cada um tem que lidar com seus perrengues - é possível, sim, ser feliz com câncer. Eu fui.
Um recadinho para quem me acompanhou no trecho: Sei, humildemente, que sentirão saudades da minha presença, das minhas patifarias, da nossa convivência, eu já estou… Mas, espero que se apeguem as nossas pequenas lembranças, nossos momentos de alegria e risadas, nossas trocas. Construam nossas memórias. Espero ter deixado material para isso. Para carregarem um pouquinho de mim em cada um de vocês (só a parte boa!), mas com alegria, sem drama. Vocês sabem que drama nunca foi meu forte.
Li, certa vez, que “o luto é preço do amor”. Eu só posso agradecer o tanto de amor que vocês me dedicaram. E desejar que vocês, meus amados e amadas, vivam esse luto, do jeito mais leve e alegre que vocês puderem, assim como eu levei a vida.
Sabe qual é a maior homenagem que vocês podem fazer à mim? É honrar as suas próprias vidas, com honestidade nas relações, alegria, integridade, empatia, amor e muita diversão, claro! Aliás, depois da minha despedida, se juntem e vão tomar um chopp, ouvindo um samba e falando bem de mim. O da minha mãe é escuro.
Eu deixo chorarem a minha partida, faz parte. Mas, acima de tudo, celebrem a minha vida. Estou em paz. Fiquem também”, finaliza Juliana.
Ela ocupou-se de viver o hoje — Foto: Arquivo Pessoal
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