Morre aos 88 anos Francisco, o primeiro papa latino-americano
Do UOL, em São Paulo e Colaboração para o UOL, em Roma
21/04/2025 05h15
Morreu hoje aos 88 anos Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco. A informação foi divulgada pelo Vaticano.
Como é tradição, o funeral do papa começa na Basílica de São Pedro. O corpo de Jorge Mario Bergoglio, o primeiro pontífice latino-americano da história, ficará exposto para visitação e oração dos fiéis. O funeral termina com a missa de corpo presente, na Praça de São Pedro.
Em abril de 2024, o papa chamou atenção dos fiéis ao anunciar que já estava "tudo pronto" para a sepultura dele. O pontífice ordenou uma simplificação dos rituais fúnebres dos papas, com os corpos não sendo mais expostos fora dos caixões.
Na ocasião, ele também revelou que, após sua morte, o corpo seria exposto no caixão. Os corpos dos papas anteriores foram colocados em um catafalco, espécie de plataforma, durante seus ritos fúnebres. Ele também pediu para que fosse enterrado na Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, fugindo da tradição de um enterro em São Pedro, onde está o corpo de 91 pontífices.
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Saúde debilitada
O papa Francisco apareceu de cadeira de rodas pela primeira vez em maio de 2022. Ele recorreu ao auxílio após dores intensas no joelho. "Tenho um ligamento rompido, farei algumas infiltrações e vamos ver. Estou assim há algum tempo, não posso caminhar", disse o pontífice, na época.
Dias depois, ele voltou a ser visto sendo empurrado na cadeira de rodas. Após essas primeiras aparições, não era difícil a imprensa internacional noticiar que a saúde do papa estava debilitada.
Em novembro de 2023, o papa cancelou uma viagem para a reunião climática da COP28, em Dubai, por causa de uma gripe e inflamação pulmonar. Em janeiro de 2024, ele não conseguiu terminar um discurso no Vaticano por causa de "um pouco de bronquite", segundo o pontífice.
A bronquite do papa voltou à tona em fevereiro de 2025. O pontífice não conseguiu terminar um discurso e pediu para que um assistente fizesse a leitura durante uma missa no Vaticano. Dias depois, o papa foi internado para uma cirurgia "complexa", segundo Vaticano.
Primeiro papa latino-americano e jesuíta
A nomeação de Jorge Mario Bergoglio como o 266º papa da Igreja Católica por si só foi histórica. Nascido em 17 de dezembro de 1936 em Buenos Aires, ele se tornou o primeiro pontífice nascido e vivido na América do Sul a ocupar o cargo máximo para os católicos.
Além disso, Jorge Mario era jesuíta, ordem que também pela primeira vez na história tem um dos seus membros indicado para o cargo. O papa tinha formação em química pela Universidad de Buenos Aires.
Em 1958, ingressou na Companhia de Jesus —Ordem dos jesuítas— e, na sequência, licenciou-se em Filosofia pela Faculdade de São Miguel. Mais tarde fez doutorado em Teologia em Freiburg, na Alemanha. Foi ordenado sacerdote em 1969. Após um período de apostolado na Argentina, retornou para a Faculdade de São Miguel como professor de teologia em 1980 e lá permaneceu até 1986.
Em 1992, foi nomeado bispo titular de Auca e bispo auxiliar de Buenos Aires. Em 1998, tornou-se arcebispo da capital argentina e em 2001 foi nomeado cardeal pelo papa João Paulo II. Foi escolhido como papa em 14 de março de 2013, quando tinha 76 anos.
Faz parte da tradição que um novo papa decida o nome pelo qual deverá ser chamado durante o período de seu pontificado. Quase sempre a escolha é feita para homenagear os primeiros apóstolos de Jesus ou algum outro pontífice da história pelo qual o novo indicado tem admiração.
Mas o novo nome também tem relação com o caminho que o papa deseja trilhar durante o pontificado. Jorge Mario decidiu fazer uma relação com São Francisco de Assis, santo que tem a dedicação aos pobres e posições claras como marca.
O papa dos humildes
A fumaça branca despontou em 13 de março de 2013, quando Francisco se apresentou para o mundo. "Irmãos e irmãs, boa noite", disse, no primeiro discurso, vestindo a batina branca sem adereços solenes. "Vocês sabem que é dever do conclave dar um bispo para Roma. Parece que meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo. Estamos aqui."
Ali, o povo havia acabado de conhecer o primeiro papa de nome Francisco. Fundador da ordem franciscana, São Francisco de Assis se vestia com panos de saco e pregava uma reforma espiritual e material na Igreja Católica. Francisco, o frade medieval queria que a Igreja fosse mais simples, mais pobre e mais próxima dos sofredores e humildes.
Em sua primeira aparição, Francisco, o papa, se inclinou e, em um instante de silêncio, pediu ao povo orações. A escolha do nome, ele explicaria dois dias depois. Em um encontro com jornalistas, declarou: "Como eu gostaria de uma Igreja pobre para os pobres." E contou que o amigo brasileiro Dom Cláudio Hummes, cardeal franciscano morto em julho de 2022, lhe havia dito ainda no conclave: "Não se esqueça dos pobres."
Necessidade de reforma
Assim como o santo de Assis, Francisco tinha uma reforma em mente, que aproximaria a Igreja do seu povo. A ideia era abrir pontes de diálogo com o mundo não-cristão. Ele buscou promover essas mudanças durante todo o pontificado, começando pela decisão de não viver no Palácio Apostólico, mas em um quarto de hotel da Casa Santa Marta, uma hospedaria no Vaticano.
À época de sua eleição, o então cardeal Bergoglio não era um favorito. O papa Bento 16 havia acabado de renunciar, em fevereiro de 2013, deixando o trono do apóstolo Pedro - a "Santa Sé" - vacante. A primeira renúncia papal em quase 600 anos foi motivada, nas palavras de Joseph Ratzinger, pela idade e pelo cansaço. Bento 16, com quem Francisco sempre manteve relação amigável, mas discreta, já denunciava "divisões no corpo eclesial" e dizia que "o rosto da Igreja" vinha sendo "deturpado" pelo "individualismo e pela rivalidade" das lutas internas de poder.
O cardeal Bergoglio acabou sendo o escolhido em um conclave que buscou uma terceira via entre um candidato que representasse a Cúria Romana -a administração central da Igreja, tão criticada- e outro que simbolizasse a continuidade do estilo intelectual e tradicional do antecessor.
O povo e o papa
O discurso decisivo de Bergoglio, que atraiu a atenção dos seus pares, foi feito nas congregações gerais, encontros dos cardeais antes do conclave. Ele falava da necessidade de se colocar em prática o "zelo apostólico", ou seja, que a Igreja precisava ir às periferias, "e não só as geográficas, mas também as existenciais".
Enquanto alguns batem à porta da Igreja para entrar, afirmava Bergoglio, "a Igreja autorreferencial tem a pretensão de que Jesus Cristo está dentro dela, e não o deixa sair". Eleito papa, Francisco elaborou esse pensamento, associando-o à renovação adotada pela Igreja durante o Concílio Vaticano II (1962-1965), quando uma grande "atualização" para o mundo moderno se iniciou. Francisco se apresentava como um pontífice que acreditava que não é possível ser católico e "negar o Concílio".
Sua visão da Igreja e sua proximidade com o povo foi muito marcada por sua experiência como padre jesuíta na Argentina. A trajetória em seu país foi turbulenta, pois, quando padre, Bergoglio foi superior dos jesuítas durante o período da sangrenta ditadura militar, período que marcou sua visão das relações entre Igreja e poder.
Também suas passagens pelo Brasil foram importantes. Já como arcebispo de Buenos Aires, ele foi o relator-geral do "Documento de Aparecida", em 2007, resultado de uma assembleia de bispos da América Latina e do Caribe. O texto fala de uma Igreja que propõe "um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, que desperte discípulos e missionários". Sua primeira viagem internacional como papa também foi para o Brasil, onde participou da Jornada Mundial da Juventude, em 2013.
Um papa progressista
Ao longo do seu pontificado, o papa Francisco foi interpretado como um líder religioso mais progressista do que seus antecessores. Em abril de 2023, o Vaticano anunciou que permitiria que mulheres e leigos pudessem votar no sínodo seguinte. O evento funciona como uma espécie de consulta do líder religioso sobre um assunto determinado.
Em agosto de 2023, ele disse que as mulheres transexuais também são "filhas de Deus". Na ocasião, o papa lembrou da primeira vez que recebeu um grupo no Vaticano. "Elas saíram chorando, dizendo que eu havia dado a mão a elas, um beijo... Como se eu tivesse feito algo excepcional com elas. Mas são filhas de Deus! Ele gosta de você assim".
Em novembro daquele ano, o Vaticano considerou que uma pessoa transexual pode ser batizada "como o resto dos fiéis" e apadrinhar pessoas e casamento na Igreja Católica, mas com condições. A nova abertura foi assinada pelo papa Francisco em resposta canônica a uma série de dúvidas sobre o tema apresentada pelo bispo brasileiro de Santo Amaro, José Negri.
Segundo o texto, um transexual, que também tenha sido submetido a tratamento hormonal e cirurgia de redesignação sexual, pode receber o batismo, nas mesmas condições dos demais fieis. Porém, não pode haver situações risco de gerar escândalo público ou desorientação nos fiéis. A decisão fica a critério dos padres, que devem ter prudência.
Em dezembro de 2023, o Vaticano autorizou a bênção a casais de pessoas do mesmo sexo e "em situação irregular" para a Igreja. O documento aprovado pelo papa, no entanto, deixa clara a oposição ao casamento homossexual. O documento reforça que o matrimônio "está diretamente ligado à união específica de um homem e uma mulher".
As medidas causaram reação na ala conservadora da Igreja Católica Romana. Um documento divulgado em fevereiro de 2024 define as sete prioridades de um próximo conclave, reunião para escolher o próximo papa, "para reparar a confusão e a crise criada" pelo atual pontificado.
Resistência e reforma na Cúria Romana
Por sua visão de mundo popular, Francisco encontrou dura resistência nas alas ultra-conservadoras da Igreja. Grupos tradicionalistas e fundamentalistas não gostaram da sua crítica ao atual sistema econômico capitalista, que ele considerava "uma economia que mata" (Evangelii gaudium, 2013).
Ao reformar a Cúria Romana, ele criou o Conselho de Cardeais (C9), colocando nove cardeais para aconselhá-lo no governo, principalmente nas reformas do Vaticano. Buscou, nesse contexto, tornar a finança mais transparente, em linha com padrões internacionais; facilitou que os leigos - ou seja, fiéis batizados que não são sacerdotes nem religiosos - pudessem assumir cargos altos, e nomeou mais mulheres; acabou com a promoção automática e o conferimento de títulos e distintivos para o clero; em geral, diminuiu privilégios dos clérigos no Vaticano, alterando, por exemplo, legislação sobre crimes, para que todos possam ser investigados e julgados igualmente, inclusive bispos e cardeais; e tornou o diálogo com dioceses e institutos religiosos mais direto e mais aberto, para que o Vaticano não centralize todas as decisões.
Ele dizia que a mentalidade de corte monárquica da Cúria Romana "é uma lepra", uma doença a ser sanada na Igreja. Em entrevista à Televisa, em 2019, afirmou que a Cúria era a "última corte europeia de uma monarquia absoluta". Francisco queria uma Igreja feita de "pastores com cheiro de ovelhas" (Evangelii gaudium, 2013).
Pandemia e fraternidade
Francisco entrou para a história, além de tudo, por ter sido o papa durante a pandemia da covid-19, período que marcou a humanidade para sempre. A imagem dele sozinho, caminhando e rezando na Praça de São Pedro em um dia de chuva, foi vista ao vivo por milhões de pessoas no mundo todo, e se tornou um caso de estudo sobre a comunicação religiosa.
"Percebemos que estamos todos no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo importantes e necessários, todos chamados a remar juntos, todos necessitados de conforto mútuo", declarou, em 27 de março de 2020. Em outubro do mesmo ano, ele publicou sua segunda encíclica, a Fratelli Tutti, em que convocou a humanidade, partindo das pessoas de fé, a se unir em torno das causas comuns - o meio ambiente, os direitos humanos, a paz - promovidos por meio da "amizade social", que ele considerava uma forma de amor.